A saúde pública de Montes Claros, tão questionada nos últimos anos devido a vulnerabilidade do sistema e que se encontra esfacelada em todos os sentidos, como se fosse uma novela, está longe de acabar com um final feliz. E nesta semana, mais um capítulo vai ser mostrado para a população. O edital de chamamento público 0011/2014 que vai designar os procedimentos médicos via regulação, as vésperas de ser apreciado pelo Conselho Municipal de Saúde, foi modificado com termos suprimidos e, segundo um membro do conselho, para favorecer o hospital das clínicas Mário Ribeiro da Silveira, construído pelo prefeito Ruy Muniz, porém em nome de uma das empresas pertencente ao chefe do executivo.
Enquanto os corredores do pronto socorro da Santa Casa estão lotados de macas com doentes de diversas cidades do Norte e Nordeste de Minas, além dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e de cidades do sul da Bahia, a alternativa encontrada pelo poder executivo em Montes Claros foi fechar as portas para o atendimento a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) no Hospital Aroldo Tourinho no ano passado. Com o fechamento daquela unidade, as feridas da saúde na cidade ficaram expostas e o que se viu foi um grande congestionamento nos três maiores hospitais da cidade.
Santa Casa, Dilson Godinho e HU não conseguiram absorver a grande demanda. Com isso, alguns serviços de médias complexidades não foram atendidos. Até mesmo a criação do hospital Mario Ribeiro da Silveira, inaugurado com ar de pompas, não foi suficiente para atender a demanda. A alternativa para desafogar os grandes hospitais foi atender alguns pacientes na policlínica Alpheu de Quadros.
Para tentar resolver os problemas da saúde pública na cidade, a prefeitura de Montes Claros, por meio da secretária municipal de Saúde, realizou no dia 20 de janeiro deste ano, chamamento público com o objeto de credenciar entidades públicas e privadas, com e sem fins lucrativos, prestadoras de serviços de atenção à saúde – hospitais e clínicas – a fim de atender a demanda dos serviços assistenciais médico-hospitalares em média e alta complexidade, por intermédio de ações de regulação do acesso realizadas pelo complexo regulador deste município.
O edital de chamamento vai ser apreciado hoje, durante reunião do Conselho Municipal de Saúde, às 14 horas no prédio da secretaria municipal de Saúde.
Contudo, para Roberto Coelho, membro do conselho, o que estão querendo fazer com o edital, é ‘repassar diversas serviços’ para o hospital Mario Ribeiro da Silveira, que, segundo o conselheiro, pertence diretamente ao prefeito Ruy Muniz. “Isso é um caso escancarado de nepotismo. Tenho certeza que é ilegal e inconstitucional. Mas se o conselho apreciar e aprovar, temos que procurar outros meios, por que aquele hospital não pode receber os serviços”, afirma o conselheiro.
De acordo com o conselheiro, no edital de chamamento publicado no dia 20 de janeiro deste ano, na página 35, consta no modelo de declaração de pleno atendimento que as instituições se comprometem a prestar os serviços que lhes forem atribuídos conforme a descrição do instrumento convocatório e seus anexos. “Declara ainda, para os fins requeridos no inciso III, artigo 9º da Lei no . 8.666/93 e 100 da Lei Orgânica do Município de Montes Claros, que não tem em seus quadros de empregados, servidores públicos da Contratante, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o segundo grau, subsistindo a proibição até 6 (seis) meses após findas as respectivas funções, exercendo atribuições de gerência, administração ou tomada de decisões”, afirma.
Porém, segundo o conselheiro, como num passe de mágica, na manhã de ontem (3/2), Nilma Silva Antunes, presidente da comissão permanente de licitações e julgamento, alterou o modelo de declaração de pleno atendimento e suprimiu parte do texto. “Eles suprimiram parte do texto e enfatizaram que a instituição não deve ter em seu quadro de funcionários, servidores públicos da contratante, exercendo atribuições de gerência, administração ou tomada de decisões. Temos conhecimento de que as empresas do prefeito têm funcionários que trabalham na prefeitura até mesmo em gerência de setor e tomada de decisões. E por falar em tomada de decisões, quem toma as decisões é o prefeito”, enfatiza Roberto Coelho.
A reportagem entrou em contato com a regional do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Saúde (CAO-saúde) do MPMG. Questionado se a promotoria estava participando do processo de chamamento, a assessora do promotor João Paulo, responsável pela área da saúde, informou que ele não poderia se pronunciar por que não havia nenhuma denúncia para que o órgão interferisse no processo.
A reportagem entrou em contato com a presidente da comissão permanente de licitações e julgamento para saber da legalidade da mudança do edital, sobretudo do item pertinente ao Inciso III do artigo 9º da Lei nº 8.666/93 e 100 da Lei Orgânica de Montes Claros, porém sem êxito. O jurídico da prefeitura também foi procurado, mas as ligações não foram atendidas